Nunca quis ser bombeiro, nem quando pequenino. "história linda".
NUNCA QUIS SER BOMBEIRO
Quando eu andava da 4ª classe, fiz um teste em que uma das perguntas era "Gostavas de ser bombeiro?". A minha resposta foi "Não" e a professora meteu-me errado. Foi parvo da parte dela porque cada um tem direito a querer ser aquilo que lhe apetecer, mas calculo que intenção dela fosse a melhor. Fosse dizer-me que ser bombeiro é bom, tem valor e que todos os devemos ter na mais alta consideração. Não querer ser bombeiro não significa que não lhes admirasse a coragem. Todas as crianças, especialmente meninos, querem ser bombeiros quando são pequenos. Eu não. Eu nunca quis apagar fogos e arriscar a minha vida pelos outros. Nem em pequeno, no auge da ingenuidade, tinha essa coragem de entregar a minha segurança para um bem maior, para salvar e ajudar pessoas que eu não conheço.
Ser bombeiro voluntário é tão "simples" quanto isso. É dizer que se está disposto a arriscar a vida pelos outros, a troco de nada.
Portugal tem poucos meios para fazer face aos incêndios que o mutilam. Quando digo meios estou a falar dos físicos: carros, helicópteros e todo o tipo de material que é preciso para enfrentar as chamas numa luta, por si só, desigual. Mas, em termos de meios humanos, tem muito, há cerca de 42 mil bombeiros voluntários em Portugal. Homens e mulheres que decidiram que queriam fazer do mundo um local melhor. Homens e mulheres de sangue quente, que salvam vidas de pessoas e animais, velhos e novos, durante todo o ano. Não estão ali por dinheiro ou por uma carreira com regalias, estão ali apenas para ajudar sabendo que em troco apenas receberão o sentimento de missão cumprida. Talvez essa missão cumprida não seja assim tão pouco e valha mais do que um ordenado chorudo ou um estatuto privilegiado na sociedade. Talvez esse sentimento de ajudar os outros, para eles seja mais que isso tudo, o que lhes dá ainda mais valor por valorizarem o que realmente interessa.
Nos Estados Unidos da América, ser bombeiro é das profissões mais respeitadas. Lá, as mulheres ficam logo molhadas com um bombeiro e não estou a falar de quando são atingidas pelos jactos das suas mangueiras. Jactos de água, entenda-se. Por cá, que eu saiba, para além de não serem assim tão valorizados, também não me parece que se safem assim tanto com o sexo oposto. Em relação a polícias que não gostava de fardas? Já que achava que eram sinal de formatação, lavagem cerebral e falta de tomates para questionar a autoridade. Alguém comentou a dizer "Então e as fardas dos bombeiros?" e eu pensei que realmente era verdade, que a farda dos bombeiros não está manchada nem suja pela corrupção e falta de profissionalismo. Talvez por não serem profissionais mas sim voluntários, só lá estejam os melhores.
Quem comete o crime de fogo posto, devia ter penas mil vezes mais pesadas. Primeiro, porque incendiar alguma coisa que não as cuecas de uma mulher, é de uma cobardia extrema. É de quem quer ser criminoso mas não tem inteligência para assaltar bancos, carisma para controlar um gangue e coragem para assaltar uma velha, com medo de levar com a bengala. Depois, porque é muitas vezes por motivos fúteis. Por questões de seguros ou de venda e compra de terreno. É o ser humano num dos seus expoentes máximos de desumanidade e desrespeito pelo qual faz parte. É tomar o verde do planeta como seu, a fonte que nos dá vida, e achar que se pode esfumaçá-lo e reduzi-lo a cinzas, para ter mais peso no bolso e sem isso lhe pesar na consciência. Só por isto já seria mau, mas saber que ao fazê-lo se estão a matar centenas ou milhares de animais e, ainda, a colocar em risco a vida de homens e mulheres que vão tentar apagar o inferno que ele criou, a troco de nada, é só ser-se baixo. É nojento. É de quem não merece o oxigénio que respira e que pelos vistos não precisa. Era condená-los a prisão perpétua e obrigá-los a usar umas cuecas que aqueciam até aos 100º celsius, três vezes por dia, durante meia hora, e impedi-los de comprar halibut.
Quando morre um bombeiro nas chamas, morre um bocado de todos nós. De todos que não tiveram coragem de estar lá a lutar, por ele ou ela e, sobretudo, por todos nós.
Por tudo isto e muito mais que merecia ser escrito com maior eloquência do que a de um Domingo à noite, queria agradecer a todos vós, bombeiros voluntários, por vestirem a farda, o capacete e a máscara e irem para o meio do fumo e do fogo, mostrar que a humanidade tem quem se preocupe com ela. Obrigado a todos por garantirem que se um dia houver um fogo no meu prédio da Buraca, vão estar cá a incentivar-me para saltar da janela para os vossos braços, mesmo vendo que não sou leve e que, provavelmente, esmago-vos na queda. Há quem diga que é preciso coragem para atravessar a Cova da Moura a pé, mas coragem é a que vocês têm. Todos vocês têm uns enormes testículos, mesmo (ou especialmente) as mulheres bombeiras. Como comecei por dizer, nunca quis ser bombeiro, continuo a não querer e ainda bem.
Gostava de querer, mas isso deve ser guardado apenas quem pode e tem esse altruísmo hercúleo, maior que as chamas, mesmo aquelas gigantes que, por vezes, vos engolem.
Desejo-vos um Verão o mais tranquilo possível e que não vejam morrer nenhum colega. Mas se virem, não lhe chorem a morte, porque não foi em vão. Agradeçam-lhe. Agradeçam-lhe por mim também.
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